quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Fui-me
outrora
um outro
eu
duplo
de mim.
In-
Coerente.
Eco
de mil
vozes
em vértice
ou
num espaço
abissal,
circular,
sem fim.

(Manuela Reis)

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Homenagem

Eram jardins no meio da rua
e encostados às paredes das casas
Multidão de mãos erguidas e velas acesas
num grito mudo
Pela liberdade.

(Paris, 13 de novembro de 2015)


Manuela Reis

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Mágoa

Mágoa de casa antiga
de olhos esburacados
cancela partida
e jardim bravio

Mágoa de casa abandonada
em que as vozes se calaram,
e à volta, no jardim,
as águas secaram.

Mágoa das rosas amarelas
arrancadas das jarras
brancas de porcelana

Mágoa de espigueiro
desconjuntado
de ripas soltas
e sem trigo nem milho
verde ou amarelecido

Mágoa duma voz
de agravo e desencanto
que num canto triste
por mim chama

Mágoa do vidro embaciado
em que o poema não ressurge
como era seu costume

Mágoa de sopro frio
que percorre
um estreito corredor
vindo aninhar-se
num nicho vazio


(Manuela Reis)

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Silêncio

Não há dois silêncios
iguais.
O desta manhã
leva-me para longe,
para o tempo
em que, de sacola
na mão, seguia para a escola
à sombra das ameixoeiras bravias.

(Manuela Reis)

quarta-feira, 7 de outubro de 2015



Glicínias

Cachos 
de sílabas
em azul
Frescura 
desperta 
caindo sobre 
o muro ou
sobre o caramanchão
Melopeia
ou melodia
Magia e sortilégio

(Manuela Reis)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Mãe, ensina-me o Silêncio que ainda não mereci. Que não ouvi.
O que apaga as palavras, inúteis e tortuosas.
Insaciáveis.
Palavras de palavras. Que anulam, destroem ou abrem crateras. Dão fome e sede.
Mãe, ensina-me o Silêncio tão parecido com as palavras que ainda não disse.
As necessárias. Que apertam laços, despertam vozes.
Mãe, ensina-me o Silêncio.
Dá-me as palavras únicas e certas como o sol silencioso e atlântico nesta primeira manhã do ano.
Tão parecidas com as que ainda não disse.

(Manuela Reis, janeiro de 1993)

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Perfil

O meu olhar segue-te
vestido de impecável cinzento,
bengala pousada ao lado.
Tens um olhar ausente
do que te rodeia e só tens
a certeza que estás mesmo lá
porque apertas entre os dedos
o copo de refresco de laranja,
groselha ou não se sabe de quê.
Talvez o teu pensamento
siga a saudade da mulher amada,
há muito desaparecida,
ou talvez a ausência dos netos
que partiram de férias com os pais,
sem ninguém te ter perguntado
se não querias  ir com eles,
sem que saibas porquê.
(Manuela Reis)

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Órgão

Despertar
de sons
numa longínqua
madrepérola
Madrugada
donzelas
de branco
à espera
do amado
sentadas
a janela
em bancos de pedra
 
(Manuela Reis)

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Índico

Mergulho no Índico desde as areias prateadas
Às costas generosas de vastas e misteriosas terras
Minha alma faz-se una com o das águas
Caindo a pique num poço cheio de luz e sombra

No escuro das horas difíceis do pé-de-vento do furacão
Eu sou como um barco perdido na crista das tempestades


(Manuela Reis)

quarta-feira, 4 de março de 2015




Mágoa

Mágoa caindo como pedra branca
sobre o lajedo do meu peito
Saudade como duro nevoeiro
alastrando-se até à eternidade

(Manuela Reis)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015



Pertença


Toalha de renda sobre a mesa
Taça de fruta ao centro
Paredes cobertas de retratos antigos
e sofá de veludo dourado
Sentimento de pertença
Olhar de ternura e conivência
sobre todas as coisas
que me rodeiam e a que pertenço.


(Manuela Reis)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015


Inverno


O veio vermelho
arroxeado
espalha-se
pelas pétalas
da camélia branca
da japoneira
emaranhada
no ferro verde
do portão
e prolonga
o inverno
junto à fonte
cristalina
até ao fundo
do prado


(Manuela Reis)